AMATSU NORITO
O Amatsunorito, ou norito, é uma oração de ritual xintoísta que se originou de um texto intitulado Harae-kotoba, que significa literalmente Palavras de Purificação. A origem do Harae-kotoba é antiga anônima e misteriosa o autor ou autores são desconhecidos. Ela foi usada principalmente para rituais de purificação e foi transmitida oralmente de diferentes formas, em vários santuários xintoístas e escolas. No início do século IXX, o estudioso Atsutane Hirata recompôs o texto com base em seu extenso estudo do Harae-kotoba e rebatizou de Amatsunorito.
O fundador da Shumei, Meishusama, acredita que essa oração era um meio particularmente poderoso de purificação, e indo pelo princípio kototama, bem como suas próprias visões espirituais, ele o refinou um pouco para torná-lo mais potente. Com seu arranjo original de sons, é usado para purificar o reino espiritual, condição que afeta o mundo físico. Para compreender o significado literal do Amatsunorito, é necessária alguma base de mitologia japonesa.
O semideus, ou kami, Izanagui, profanou a si mesmo ao entrar no mundo das trevas e trazer sua esposa morta, Izanami, de volta ao mundo dos vivos para que pudessem continuar a criar a terra onde eles e seus descendentes viveriam. Quando ele a encontrou, do outro lado dos portões do palácio dos mortos, ela lhe contou com profundo arrependimento que ele havia chegado tarde demais. Ela já havia comido dos frutos do mundo das trevas – literalmente dos fornos do inferno – e não poderia retornar à terra dos vivos sem permissão. Ele lhe fez a promessa de esperar por ela e não a seguir, nem mesmo olhar, até que ela retornasse de forma segura. Ela deixou Izanagui e foi implorar para os governadores do mundo das trevas para a liberarem. Muito tempo se passou e Izanagui seguiu esperando. Mas depois de um tempo, já impaciente, ele quebrou sua promessa e entrou no mundo das trevas para encontrar sua esposa. Quando fez isso, ele olhou para ela e viu que sua carne estava apodrecida e consumida por larvas, e sons de todos os tipos de trovões eram emitidos por sua cabeça e membros. Ela o amaldiçoou por sua traição e mandou hordas de demônios persegui-lo. Ele colheu três pêssegos, imbuído com o poder divino, e os atirou aos demônios, espantando-os. Quando voltou ao reino dos vivos novamente, sua esposa apareceu mais uma vez do outro lado do portão da morte. Então, marido e mulher, Izanagui e Izanami permaneceram de lados opostos da divisa entre vida e morte, ela respeitosamente ameaçando-o de matar todos seus descendentes, e ele, com a devida cortesia, implorando para produzir mais descendentes que ela pudesse matar. Finalmente, depois de muito conflito, ele rolou sobre uma rocha em um abismo de Hades e partiu.
Embora tendo escapado da morte, entrar naquele reino o deixou impuro, e então ele se limpou nas águas de um rio cercado por um campo de sempre-vivas em Himuka Tacibana (Tachihana), Tsukushi. Enquanto Izanagui se banhava nas águas do rio, de seu corpo nasciam novos espíritos de purificação. A história obviamente é fantasiosa. Mas suas implicações universais ecoam em lendas e mitos ao redor do mundo.
Os ocidentais podem reconhecer similaridades na história de Izanagui com o pai primordial Adão e sua companheira Eva (há controvérsias sobre quem foi a esposa de Adão) e Orfeu seguindo Eurídice em Hades. Todas essas histórias são mais que entretenimento e enchem de maravilhas o ouvinte que vai além de sua veracidade. Como as lendas e metáforas, elas expressam mais que uma pequena verdade. Assim como o fato das crianças de Izanagui ficarem de um lado ou outro do portal da vida e da morte, a mesma coisa acontece com todas as crianças da humanidade. E todos nós somos capazes de quebrar promessas, ir contra a ordem natural das coisas (Izanagui se aventurou no reino da morte enquanto ainda estava vivo), ou ser afetado por circunstâncias que estão além do nosso controle. Todos nós precisamos de purificação de tempos em tempos. Dessa forma, entoar essa oração tem o grande significado de nos tornar limpos.
O poema se inicia com uma imagem relacionada ao seu significado: Kamurogui e Kamuromi no plano celestial. Especialistas em xintoísmo têm identificado frequentemente “Kamurogui” e “Kamuromi” como substantivos coletivos de kami, ancestrais que representam os elementos masculino e feminino. Ambos podem ser compreendidos como princípios universais, como yin e yang, ou como forças que constantemente purificam o mundo.
Abaixo, uma tradução livre da oração:
ORAÇÃO CELESTIAL
(Amatsunorito)
No mais alto plano do céu
Viviam Kamurogui e Kamuromi
E, de acordo com a sua vontade,
O soberano kami Izanagui,
Que se banhara na clara foz de um rio de
Ahagihara, região de Himuka, em Tsukushi.
E ao se banhar nas águas puras,
Surgiam kami purificadores.
Por isso, pedimos a esses kami
Limpai nossas máculas e impurezas,
Por favor, kami celestiais e terrestres,
Como cavalos celestiais
Que se atentam ao menor ruído,
Ouçam nossa humilde oração.
Miroku Omikami, Deus Supremo,
Protegei-nos e abençoai-nos com grande felicidade.
Meishusama, nosso Mestre Espiritual,
Protegei-nos e abençoai-nos com grande felicidade.
(Pausa para oração silenciosa)
Seja feita a Vossa vontade,
Abençoai nossa alma em abundância.